terça-feira, 28 de maio de 2013

AULA FORA - O Bairro

Estudar o bairro pode mudar o planeta

Grandes questões, levadas à sala de aula, ajudam os estudantes a compreender o meio em que vivem e a procurar transformá-lo.


Sandra vai com os alunos à duna próxima à escola: estudo do meio Foto: Canindé Soares
 "O professor de Ciências Naturais é privilegiado." A opinião é de Sonia Muhringer, consultora em Educação Ambiental do Ministério da Educação. A razão, diz ela, é simples e tem tudo a ver com o momento de planejar. "A disciplina permite abordagens interdisciplinares e os temas de que trata permeiam o cotidiano do aluno e da comunidade." Essa situação, segundo ela, permite montar aulas significativas. "Um bom planejamento tem de se basear nas habilidades que os estudantes devem desenvolver, principalmente as de observar e pesquisar", complementa a consultora Dalva Maria Rossi Tavares, especialista em formação continuada.

Dentro das Ciências, há várias disciplinas, como Física, Química, Biologia, Geociências, Astronomia. "O ideal é articular os conteúdos em blocos", ensina Sonia. "Assim, as aulas não se tornam pedacinhos espalhados, mas um todo num contexto." A consultora vai mais longe e afirma que o planejamento deve contemplar questões que instiguem a turma a querer saber mais.

Ela dá um exemplo: muitos professores dão uma aula sobre fotossíntese e, mais tarde, outra sobre digestão, quando poderiam utilizar os dois temas para ensinar o conceito de energia. "Por que não chegar na classe e perguntar de onde vem a energia das plantas e dos seres humanos?", ela desafia. Dessa maneira, o estudante vai em busca de explicações para diferentes fenômenos. "Em cima do tema problematizado, são encaixados os conteúdos do programa, sempre fazendo uma relação com o cotidiano", ensina.

Parece difícil? A professora Sandra Bezerril e Silva, da Fundação Bradesco, em Natal, experimentou esse tipo de planejamento com a turma de 8a série e ficou satisfeita. "Os estudantes se envolvem mais", garante. Para dar conta da tarefa, Sandra estudou muito. "Recorri ao serviço de orientação da escola, troquei idéias com colegas e pesquisei em revistas, livros e sites."

Estrutura básica 

Ela começou o trabalho elaborando um esqueleto de planejamento. "Não fechei nada antes de conhecer as expectativas dos alunos", lembra. Nas duas primeiras semanas de aula ela explicou os módulos que deveriam ser estudados: Universo, com destaque para a Terra no primeiro bimestre; os ambientes da Terra no segundo; Ecossistemas do Brasil no terceiro; e alterações ambientais no quarto. "Com base nas sugestões da classe, moldei o modelo definitivo de plano", comenta.

Sonia avisa que o docente não pode esperar a participação espontânea dos alunos. "Ele acaba não planejando. É preciso induzir as discussões e depois adaptar as opiniões ao que havia sido elaborado previamente", diz. Sandra seguiu caminho semelhante e perguntou para a turma: vocês acham que vivem num ambiente equilibrado? Nessa questão estão incluídos temas como consumo, energia, água e poluição, que já constavam do projeto original. "Ao conversar com eles, tomei conhecimento de uma situação terrível: a presença de rejeitos de abatedouros nas dunas", conta. Para entender melhor esse problema, típico da região em que a escola está localizada, o item foi incluído no planejamento e o lugar, cartão postal da cidade, estudado pela garotada.

Além das dunas, outros ecossistemas foram objeto de estudo: mata atlântica, caatinga, mangue e tabuleiros litorâneos. "Meus alunos aprenderam a diferença entre crustáceos, vertebrados e invertebrados pesquisando os animais que vivem próximos a eles, e não com girafas e rinocerontes citados por livros didáticos", destaca. "Não adianta aprender zoologia com uma lista aleatória de animais separados em filos", reforça Sonia.
 


Aulas diferentes 

Sandra previu várias metodologias de aula, como estudos do meio, seminários, mesas-redondas, tribunas livres, produções textuais e atividades experimentais. "É impossível fazer um planejamento sem saber o que trabalhar no laboratório, quantas aulas serão necessárias ou quais materiais usar", ensina Dalva.

A consultora Sonia emenda que as atividades devem envolver a utilização de textos, vídeos ou notícias de jornal. "Apresentado o tema, o professor verifica a concepção que o aluno tem sobre ele", diz. Só então propõe as tarefas. "Depois de fazer uma visita ao mangue, bastante poluído, fomos ao laboratório para analisar a qualidade da água ali coletada", lembra Sandra.

E não se esqueça: é no planejamento inicial que tem início a organização das tradicionais mostras de Ciências, com tudo o que precisa ser feito para que elas se concretizem, no fim do ano. Nem sempre tudo o que foi sonhado vira realidade, mas o importante é que se atinjam os objetivos. No caso de Sandra, um deles era dar à turma condições de participar da sociedade, tornando os jovens capazes de analisar e intervir no meio para modificá-lo. "Hoje, meus alunos mudaram a idéia que tinham sobre o bairro, antes visto como marginalizado e sem valor", conta. "Eles sabem que a área é ecologicamente rica, responsável pela captação de boa parte da água que abastece a cidade e que, também por isso, precisa ser preservada."


As Ciências são importantes porque • levam o aluno a desenvolver a capacidade de observação e pesquisa e o raciocínio científico• despertam a consciência sobre a importância da preservação do meio ambiente e do respeito à natureza
 mostram o homem como parte do universo e como indivíduo• permitem o estudo da vida, o desenvolvimento da auto-estima e o respeito ao próprio corpo e ao dos outros• contribuem para a compreensão e a valorização dos modos de intervir na natureza e de utilizar seus recursos e para a compreensão dos recursos tecnológicos que realizam essas mediações• auxiliam no entendimento da saúde como um valor pessoal e social e na compreensão da sexualidade humana sem preconceitos• propiciam a reflexão sobre questões éticas implícitas nas relações entre ciência, sociedade e tecnologia.

Cenários naturais para boas aulas de Ciências
O Pantanal Matogrossense e a Chapada dos Guimarães fornecem farto material para estudo do meio.
Pantanal e a diversidade da fauna e da flora: ponto de partida para comparação com outras formações vegetais. Foto: Marcelo Greco
No coração do Centro-Oeste, duas paisagens completamente diferentes marcam a geografia: os espaços alagados da bacia do Rio Paraguai formam o Pantanal e as terras aparentemente secas do cerrado são ladeadas pelos paredões da Chapada dos Guimarães. Guardiães das riquezas da fauna e da flora locais, os dois ecossistemas são grandes parceiros das aulas de Ciências de diversas escolas da região.

Para muitos alunos matogrossenses, observar essa natureza é sinônimo de conhecer o meio em que vivem e descobrir formas de preservá-lo. Uma belíssima lição, que merece ser reproduzida em qualquer lugar do Brasil e do mundo. Basta seguir o exemplo de Aurênio Marcionei Leão Neto, professor de Ciências e Matemática da Escola Estadual Juscelino Kubitschek de Oliveira, em Poconé, a uma hora de Cuiabá. Ali, ele formou o grupo Defensores do Pantanal, que reúne 25 estudantes de várias turmas de 5ª série.


Chapada dos Guimarães: no meio do cerrado, excelente lugar para observar a formação dosolo e as estrelas. Foto: Marcelo Greco

A proposta dos voluntários é conhecer em detalhes as aves da região. Em 2001, a turma decidiu estudar a garça-branca. "Queremos formar uma equipe semelhante todos os anos", afirma Leão Neto. Nas visitas periódicas aos locais onde os pássaros fazem seus ninhos, os Defensores conhecem o ciclo de vida e fazem um levantamento quantitativo dos animais, observando em que proporção se reproduzem.

Como o foco do projeto é a preservação das aves, o aprendizado se dá em várias disciplinas. Na viagem, a garotada vê, ao vivo, conteúdos tratados anteriormente em sala de aula, como a vegetação pantaneira. O estudo é transformado em relatórios e ilustrações que, depois de examinados pelos professores de História, Geografia e Língua Portuguesa, se transformam em cartazes colocados nos murais da escola.

Luneta e microscópio 
A interdisciplinaridade é ainda mais presente na Escola Livre Porto Cuiabá, na capital matogrossense. Adepta da pedagogia Waldorf, ela estabelece que a mesma professora acompanha a classe, da alfabetização até a 7ª série. O ensino de Ciências é levado muito a sério desde os primeiros anos tanto que, na 5ª série, são introduzidas noções de mineralogia e astronomia. A proposta é mostrar aos estudantes que somos pessoas que interagem com o micro e o macrocosmo. "Dessa forma, ensino a eles as leis naturais, da terra e do espaço", afirma Evane Louzich.

O estudo da crosta terrestre e de tudo o que está por baixo dela foi o início do trabalho. Os estudantes lançaram mão de diversos procedimentos, como pesquisas individuais e em grupo; visitas à faculdade de Geologia (onde puderam observar vários tipos de solo no microscópio); modelagem de maquetes; montagem de uma exposição sobre rochas e criação de poemas e textos.

Já o estudo da astronomia se dá com base em livros e pesquisas na internet sobre como o homem olha o céu desde a antigüidade e como os fenômenos naturais influenciam (e influenciaram) a vida na Terra. Recordando elementos de mitologia que deu nome a diversos grupamentos de estrelas, por exemplo , os alunos partem para o estudo dos astros. No final, viajam à Chapada dos Guimarães, para observar o céu e aprender com prazer.

Referência.
Revista Escola Abril

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